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Londres e Paris no século XIX: O espetáculo da pobreza


(Capa do livro, Mercado livre)


Publicado pela primeira vez em 1982 pela historiadora Maria Stella Martins Bresciani, o livro "Londres e Paris no século XIX: O espetáculo da pobreza"retrata a passagem do século XIX em duas grandes cidades europeias, Londres e Paris, o que viera a ser denominado de "O espetáculo da pobreza", título este advindo das características marcantes que se encontravam esses centros urbanos. Para representar o encanto e o horror que era esse mundo nos romances da época, os autores Victor Hugo, Zola, Baudelaire, Dickens, Balzac, Eugène Sue e Edgar Allan Poe foram responsáveis por observar e retratar a vida da multidão dessa época em que o indivíduo passa a ter sua identidade marcada pela coletividade, além de estetizar a "fisionomia" social desse século. 

Os grandes bairros cresciam de uma forma incontrolável, dando jus ao tormento que era se deslocar nas ruas. Aos olhos de Baudelaire, esses grandes centros trazem cenas que mesmo absurdas, são capazes de se tornarem agradáveis graças as incertezas que eram presentes no cotidiano da multidão. O ritmo das cidades era extasiado, passos rápidos, sem nem olhar no olho de quem os cercavam, trabalhadores só queriam chegar aos seus respectivos destinos, ou deixá-los. O tempo já não era o mesmo, até as relações com a natureza haviam sido limitadas, seguindo o fluxo da recorrência diária, a população foi adaptada a dividir o seu tempo em 24 horas.

O dia era freneticamente movimentado em maior parte pela circulação de operários e trabalhadores. A noite era peculiar e temida, as ruas eram ocupadas pela escória social — aqueles que não foram agraciados pelo desenvolvimento econômico. Criminosos, miseráveis e prostitutas prevaleciam em grande maioria onde, estes mesmos, eram reflexos da depravação dos grandes centros.

A elevada industrialização que a capital inglesa vivia atraia os olhos dos que buscavam novas oportunidades de emprego, desde pessoas do interior da Inglaterra até imigrantes estrangeiros. Com a população aumentando significativamente, este contingente populacional entrava em contraste com a capacidade da cidade, gerando assim problemas na infraestrutura e limitando as oportunidades de emprego.

Anteriormente vista como um exemplo de cidade civilizada, Londres passa a ser comparada com o "inferno", a população aumentou de uma forma extraordinária e trouxe com ela o desemprego que se tornou constante, além disso, as poucas vagas de trabalho que surgiam eram lamentáveis. Com um quadro alarmante, a população se vira a contestar essa crise das diversas maneiras possíveis, buscavam melhorias e se negavam a viver da caridade. A pobreza e a fome se tornavam a nova cara da população.

Embora em menor quantidade, ao passo que Paris ia se industrializando, atraia novas multidões, se encaminhando assim para a mesma miséria apresentada por Londres, o que ameaçava a burguesia francesa que projetava, com a movimentação dos pobres, uma espécie de comunismo. No entanto, a França ainda era rural e devido a turbulência, houve uma transferência do trabalho para as áreas rurais.

Uma rua de um bairro pobre de Londres em 1872 (fonte: BENEVOLO, 1999)

O aglomerado populacional nessas grandes cidades representava tanto o progresso industrial, quanto a miséria que era causada pela decorrência do mesmo. À medida que a industrialização crescia ela ia causando mais desigualdades. Essas mudanças foram denominadas de "questão inglesa", que abordava sobre os abalos causados pela indústria. Em Londres, era perceptível que o avanço industrial havia resultado em efeitos degradantes nos guetos, onde os pobres e famintos deveriam ser mantidos na pobreza e sem expectativas de prosperar.

A questão social durante o século XIX era entendida pelos órgãos de poder como uma forma de reduzir os custos, dado que, o pobre que só possuía sua força física como meio de subsistência, deveria arcar com os custos de sua existência sem usufruir dos bens estatais, pois este não era produtivo para o Estado. Os novos habitantes desses centros urbanos vinham causando certa repulsa nos moradores antigos que, buscavam assim, tentar sanar este problema.

Outra polêmica advinda da crescente multidão que estava se formando, era o medo da perturbação a ordem e ameaça a política. Cria-se uma nova doença social — o Pauperismo — atribuída por Leon Say de ser a ausência dos recursos fundamentais para sobreviver. O filósofo e historiador francês Michelet realça que o crescimento industrial, fez do homem um objeto presente dentro da indústria, apenas relevante por oferecer sua mão de obra, submisso ao trabalho, tendo sua vida reduzida socialmente e levada em direção à morte.

Segundo o escritor Balzac, "Terá a política previsto que, no dia em que a massa dos miseráveis estiver mais forte do que aquela dos ricos, a sociedade será organizada de uma maneira totalmente diferente?", no entanto, na Inglaterra via-se a necessidade de minimizar a quantidade de miseráveis, uma vez que estes ameaçavam o sistema. Cria-se então a obrigação de acabar com a desocupação dos vagabundos, ou adequá-los aos moldes sociais trabalhistas. Apesar de apresentação positiva de Adam Smith em relação ao trabalho, os pobres trabalhadores ainda são seres sociais inferiores.

De acordo com Locke, a mão de obra é a única propriedade do trabalhador, podendo assim troca-la, vendê-la e emprestá-la. Sendo inexistente a oportunidade do trabalhador de ter tempo para ascender o seu intelecto, o seu patamar social permanece o mesmo, incapaz de racionalizar e de se adentrar aos seres que raciocinam. Por vez, a violência se torna a única forma de traduzirem suas angústias e desejos.

Visto que hora ou outra os trabalhadores se tornariam seres racionais, era essencial que surgisse um mecanismo que os introduzissem na política,  posto que, o real motivo da pobreza eram as implicações resultantes da industrialização. 

O grande romancista Victor Hugo de "Os Miseráveis", dizia que em Paris, previa-se uma possível revolta das multidões, que vinham se fortificando com a miséria ali formada e inconformada pelas massas, que buscavam um lugar na sociedade, além de serem somente visto como objetos de trabalho.

Cresciam a partir de 1830 as primeiras revoltas oriundas principalmente dos operários, demasiadamente contidas, não deixavam de existir, se alastrando a nível de revolução, pois esses povos buscavam se libertar das garras opressoras. Essas revoluções do século XIX são o retrato das massas sociais que viviam de uma forma decadente e reprimida, que ansiavam por um espaço de reconhecimento na sociedade, além de irem à "praça pública" pela sua felicidade. 

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