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Divulgação |
Séries de
heróis são um produto massificado há bastante tempo. Como exemplo, Arrow,
uma poderosa matriz, construiu um imenso legado, deixando spin offs aos
montes para continuar sua história. Particularmente, acompanhei algumas delas,
mas, eventualmente, me cansei. A repetição de elementos, a falta de
criatividade, os ciclos infinitos e os infindáveis dramas amorosos se tornaram
excessivamente pesados e me deixavam expressivamente enfadado. Nesse contexto, The Boys,
outra série sobre heróis, surge no tabuleiro como um sopro de inventividade.
De forma simples, conta-se a história de um grupo de pessoas comuns que
decide se contrapor aos superpoderosos corrompidos e que abusam de suas
próprias habilidades e status.
Na
realidade, pensar que The Boys tem a mesma pegada que as genéricas é um
erro crasso. A qualidade da obra está justamente na sátira que fazem em cima
dessa temática já tão desgastada. Aqui, os heróis não são os mocinhos ou vigilantes
que querem proteger a população, sempre visando ao interesse coletivo. Os
heróis de The Boys, ao contrário, vão pelo caminho diametralmente oposto: são
ambiciosos, egoístas, desprezíveis e quaisquer outros sinônimos. Há a retratação fidedigna de como eles seriam
numa realidade em que existissem de fato, retirando a roupagem romântica com a qual
estamos acostumados a relacionar os heróis da dramaturgia.
Acompanhando
a ótica por dois prismas (as pessoas comuns e os vigilantes), fica-se evidente
que a égide poética que protegia os heróis se desmantela na medida em que uma
película mais verossímil é tecida. Aqui eles são humanos e repletos de erros,
naquela máxima que sempre destaco em minhas resenhas. Confesso que eles pesam
bastante a mão e escracham esses defeitos, aproximando-se do trash.
Evidentemente, isso não é ruim, visto que a própria proposta da obra já
circunda esse mote. Estamos diante de uma composição que mistura drama, ação,
humor trash, pontuados, em amiúde, por críticas sociais muito certeiras.
Mesclando
previsibilidade e imprevisibilidade, há uma gama de personagens bastantes
distintos e singulares. Organicamente, eles são construídos num contexto de
assuntos reais, como feminismo, terrorismo, vícios, drogas, capitalismo,
cultura do estupro, demagogia, discursos de ódio, fanatismo religioso, homofobia
internalizada. Ao lançar mão desses vieses, a verossimilhança é edificada de forma inigualável,
tornando a obra muito mais palpável quando pensamos em sua realidade fictícia. As
críticas não são tão profundas quanto as de séries que são exclusivamente
focadas nisso, como, por exemplo, algumas do Ryan Murphy, mas é perceptível que
os apontamentos são certeiramente contundentes. Está tudo nas entrelinhas e os signos são
precisos e inteligíveis, sem subestimar a capacidade de seu público-alvo de entender subtextos e simbologias.
Um
dos pontos altos, como se pôde perceber, é a veracidade dos eventos dentro da
realidade proposta pela série. Todos os personagens possuem seus deslizes, suas
inseguranças, seus defeitos, como foi supracitado. Também não estamos presentes de maniqueísmos
falaciosos, o que é sempre um ponto a favor de qualquer obra que se preze.
Camadas, desenvolvimento e profundidade moldam personagens reais e críveis.
Falando, mais uma vez, em verossimilhança, fica óbvio inclusive que, justamente por se calcar
tanto nesse ponto, quando a série derrapa em furos e inverossimilhanças,
a dor é infelizmente maior.
Falando
de outros aspectos, preciso citar a composição visual e o texto que o
complementa. A violência é bastante gráfica, com focos exponenciais em
situações viscerais e biológicas. Aliás, é realmente interessante saber como reinventam
o lance de poderes com as idiossincrasias humanas. Há um entrelaçamento de como
esses novos dons modificariam ações humanas, seja nas profissões, no marketing
ou mesmo em atos mais fisiológicos, como o prazer sexual. A realidade é desvelada,
mostrando a podridão dentro do sistema e da hierarquia dos super-heróis.
Como
revés, importa ressaltar a chatice de alguns personagens e na insistência da
repetição de alguns recursos para tentar exacerbar o estado psicológico do
protagonista. Alguns personagens, também, não divisaram todo seu potencial –
e outros, ainda, tiveram essa mesma característica ceifada muito precocemente.
Não chegando a ser um fato negativo, mas mais uma opinião bastante particular,
comento que os figurinos, que os heróis sempre estavam trajados, quebravam
bastante o clima de seriedade que algumas cenas pediam.
Outrossim, a atuação não é um ponto problemático, contudo também não é algo que salta aos olhos
como é o caso de Euphoria ou How to Get Away With Murder, por
exemplo. Erin Moriarty (Starlight), por exemplo, é muito fraquinha, mas é
contraposta pelo Antony Starr (Capitão Pátria), Elisabeth Shue (Madelyn) e Jack
Quaid (Hugh), que estão extremamente confortáveis em seus papéis. A
distribuição de tempo de tela é relativamente justa entre os personagens que
foram considerados mais importantes para a trama, mas os coadjuvantes, como eu
disse acima, não tiveram a mesma sorte; foram relegados a um segundo plano e
poderiam ter sido melhor aproveitados.
Enfim, essa
sinestesia de elementos formam um texto acurado, personagens carismáticos e
intensos em uma perfeita sincronia. The Boys é uma obra para aqueles que
gostam de irreverência e subversão com um viés satírico. Ela consegue se levar
a sério quando precisa, mas é entremeada por constantes assombros de humor
ácido. Na iminência da sua segunda temporada, é ótimo saber que já foi renovada mesmo para sua terceira, significando que sua história poderá ter uma maior
completude e integralidade. Por isso, não tenham medo diante desse mergulho que sugiro a vocês.
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