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Dark: uma ode à genialidade

                                                                                                              Divulgação

Ao término de 3 temporadas, Dark, série alemã lançada em 2017, desponta como uma obra bastante caprichada. Narrada com muito esmero e diligência, a história retrata a vida de quatro famílias que estão ligadas por segredos profundos que se desvelam a partir do desaparecimento de duas crianças. Esse pontapé, embora já denote uma história de mistério, esconde uma trama ainda mais obscura e intrincada do que se parece a princípio.

Quando digo intrincado, eu realmente estou sendo enfático: a complexidade impecável de Dark é um dos seus pontos fortes e, apesar de demorar para entender tudo, eventualmente acontece a familiarização e, a partir daí, você se choca ante cada nova revelação feita. Isso, inclusive, também pode ser considerado um ponto negativo para muitos, porque não é exatamente uma série fácil de digerir. Leva tempo para pegar as coisas, entender o que aconteceu, como aconteceu e, principalmente, quando aconteceu. 

O fato de a série ter tido um roteiro completamente planejado fica bastante evidente. A história requer a existência de todos os seus episódios para vislumbrar sua completude e integralidade, provando que tudo foi costurado e pensado em seus mínimos detalhes. Naturalmente, ficaram alguns furos diminutos e pontas soltas, mas eles são apenas gotas em comparação ao imenso oceano de coesão e entrelaçamento. Não há de se falar, mesmo, em pontos que comprometam a experiência, e isso é bastante louvável em um espaço onde usualmente nos deparamos com finais de obras incompletos, lacunosos, fraturados ou quaisquer sinônimos que venham à mente.  

Ainda falando sobre esse prisma de acuidade característico da obra, cabe destacar, também, que a quantidade de personagens é mais um elemento que intensifica a já árdua narrativa simultânea. Temos uma infinidade de personagens, um para cada tempo, e é difícil acompanhá-los num primeiro momento. Exige, sim, a necessidade de entender quem é quem, pois somente assim você passa a ver a história ser relatada com sentido. Portanto, até se adequar, pode ser que haja um temporal penoso para os telespectadores.

Se, por um lado, o sem-número de personagens retrai o entendimento imediato; por outro, a caracterização dos mesmos é essencial para facilitar o reconhecimento. A produção escalou atores bastante similares em seus tempos, no intuito acertadíssimo de auxiliar os telespectadores a reconhecer quem era quem. Tem um personagem, aliás, que eu jurava que era feito pela mesma pessoa. Fiquei chocado quando descobri que se tratavam de atores diferentes.

Infelizmente, nem tudo são flores e, para mim, algo que pesou bastante em Dark é que, às vezes, ela pode soar bastante cansativa e repetitiva. Não me entenda mal: todo esse preciosismo e refinamento são, sim, imprescindíveis para contar sua história com coerência. Sempre foi essencial que ela fosse narrada aos poucos, gradativa e paulatinamente, mostrando os detalhes, as consequências, os acontecimentos. Contudo, numa análise minuciosa, a insistência de fazer minirrevisões, autorreferências e os diálogos falando sobre o passado pode ser extremamente maçante se você já está acostumado com a história em si. Isso, contudo, também mostra como os roteiristas se preocuparam em lapidar a trama para entregar algo de qualidade, aparando suas arestas e tentando fazê-la bastante didática e palatável.  

Permanecendo no mote sobre pontos negativos, preciso dizer que não consegui me conectar com a maioria dos personagens (pelo menos 80% deles). Argumento que, talvez, a quantidade e a dinamicidade entre os tempos podem favorecer a ideia de efemeridade e dispensabilidade, de modo que fui imbuído de empatia e torcida fervorosa apenas por alguns. Entretanto, naturalmente, eu queria o bem de todos. Não foi sob a justificativa de eu ter me afeiçoado aos personagens, claro, mas por ter compreendido a situação exasperadora e dolorosa que existia ali. Isso prova que, por mais que eu não estivesse conectado diretamente aos personagens, o roteiro criou um elo indelével que me fazia ansiar pelo entendimento geral da trama e por um desfecho razoável e terno para cada personagem.

                                                                                                              Divulgação

Cito, aliás, que os personagens são bastante verossímeis. Possuem problemas, defeitos e buscam realizar suas próprias ambições. Dark não se prende ao maniqueísmo de séries rasas: não há personagem ruim ou bom, apenas humanos tentando resolver o imbróglio em que estão inseridos. Possuem suas aspirações, seus sonhos, suas idiossincrasias e lutam para completá-las. Lembrou-me bastante de Game of Thrones, onde o conflito de interesses não necessariamente polariza os lados em bem e mal. As personagens estão em seu devido contexto para provar que humanos são, sim, falhos, repletos de dúvidas, incertezas, qualidades, bondade e afins. Uma pluralidade de sentimentos, positivos e/ou negativos, que compõe uma obra fidedigna à realidade.

É notável delinear, ainda, que, em Dark, mesmo quando a bondade é exposta, nem sempre ela é bem interpretada e as ações mais variadas podem culminar em implosões desastrosas, seja nas relações parentais, seja num sentido mais amplo. A série brinca e reafirma a ideia do crescimento e progressão humanos: as pessoas se moldam a partir de suas vivências; ganham experiência, camadas e desenvolvem novas maneiras de pensar e agir. Nada é imutável; uma pessoa pode ter diversos pontos de vista progressivos, calcando-os nas experiências vividas, reaprendendo-os a partir de informações novas e ostentando aptidão à mudança. Nesse sentido, Dark reitera a ideia da dinamicidade das relações interpessoais e também das individuais na medida em que as personagens conflitam veementemente com seu próprio eu. Nada é preto no branco; nada é tão simplista o suficiente para ser limitado a uma dualidade lacônica. As pessoas têm a capacidade de se transformar e elas o fazem diariamente perante cada novo fragmento de vivência.

Felizmente, como ficou evidente, os prós superam — e muito — os pontos negativos. Provando que quantidade em nada tem a ver com qualidade, com apenas 26 episódios, Dark consegue trazer uma trama gigantesca, com uma história extensa e robusta, repleta de detalhes e, indo na contramão ao seu nome, com bastante vivacidade. A história é viva, enérgica e estonteante, desenrolando-se com cada vez mais brilhantismo diante dos pedaços de informação que nos vão sendo dados progressivamente. Como um organismo e seus próprios personagens, ela se desenvolve, ganha camadas e se mostra ainda mais profunda e complexa. Com permissão para um trocadilho, digo que, a cada novo episódio e a cada novo elemento adicionado à trama, temos mutuamente esclarecimento e obscurecimento. Você pode ficar simultaneamente confuso e compreender o que aconteceu, se é que isso é possível.

A série se engradece bastante, também, ao usar e abusar de referências do mundo real: teorias da física, elementos químicos, obras artísticas, poemas e até mesmo analogias bíblicas fazem parte da simbologia e ideário da série. Ao tratar, ademais, sobre a natureza humana sob diferentes efeitos, Dark conseguiu criar seu próprio universo, seus signos e particularidades que, decerto, vão reverberar positivamente mesmo depois de anos do seu fim. Indubitavelmente, ela será referência em assuntos que envolverem seu tema principal. Dark consolidou sua própria mitologia com extensa riqueza de detalhes, fazendo postulados da física e paralelos bíblicos serem pilares e fundamentos imprescindíveis para o decorrer da trama. Essa multiplicidade de elementos criou um acervo vasto e bastante alinhavado em si mesmo, coroando um roteiro que, além de coeso, também é extremamente interativo, verossímil e próximo da realidade dos telespectadores. 

Para corroborar meu ponto de vista, acho que vai ser generalizada a rememoração direta ao ouvir as clássicas músicas de suspense que antecedem os momentos de viradas. Aposto, inclusive, que veio à sua mente uma lembrança fugaz, talvez, do som inconfundível que Dark nos presenteia quando está na iminência de revelar algo bombástico. Aquela trilha sonora dramática, meio sensacionalista, como uma sinfonia lúgubre e funesta que caracteriza a tônica e a matiz acinzentadas da série. Aliás, importa destacar aquela canção icônica e extremamente visceral com pessoas arquejando e arfando rodeadas por um som grave envolvente. Dá pra perceber que todo o combo de elementos que Dark nos agraciou é de uma qualidade incomparável e repercutirá de forma salutar no futuro.    

                                                                   Divulgação

Como se pôde perceber, Dark é uma obra magnífica: toda a junção de seus componentes entregou um produto genial e polido. Especialmente, o roteiro é a chave para o sucesso. Rasguei elogios para ele e poderia continuar me estendendo. Mas já fui prolixo demais. Só reitero que você pode não gostar de todos os personagens, como eu, mas você certamente ficará enlevado com a maestria e perícia com que a narrativa se desenrola à sua frente. O roteiro é acurado, preciso e cirúrgico; ele é perfeitamente bem desenhado, pensando nos detalhes e em como tudo deve se encaixar  e mostra, no processo, o poder das composições que se afastam do monopólio norte-americano. O design coeso e redondo existe e é real nessa série, digno da aclamação mundial e do hype que ela possui. 

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