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Livro “Armas, germes e aço”: o “Sapiens” raiz

Muitas pessoas se interessam pelo tema da história da humanidade, como e porque nós, seres humanos, dominamos o planeta e os contornos sob os quais isto ocorreu. Detalhes, curiosidades e afins que cercam essa temática são motivo de curiosidade de muitos, e isso é natural. Pelo menos eu sinto essa necessidade, de buscar por esse tipo de conhecimento, e conheço muitas pessoas que também sentem. Sobretudo buscamos explicações. Os motivos de como a espécie humana chegou onde chegou, está como está e as possíveis perspectivas de nossos rumos futuros. É uma busca incessante e fascinante, sempre se tem mais e mais a saber e aprender neste tema.

Bom se você está lendo esse post, provavelmente deve ser uma dessas pessoas também. Recentemente, há poucos anos, nós, pessoas com interesse pela história da humanidade fomos brindados com um livro grandioso nesta temática, obra acessível e encantadora tanto ao leitor mais leigo até ao mais entendido. Falo do livro “Sapiens – Uma breve história da humanidade”, de Yuval Noah Harari (doutor em História pela universidade Oxford e professor na Universidade Hebraica de Jerusálem). Sapiens foi publicado originalmente em 2015 e teve, digamos, seu apogeu de popularidade no Brasil em torno do ano de 2017. É um ótimo livro em torno de toda essa perspectiva de conhecimento que mencionei até aqui que abarca assuntos de história e biologia mesclados (mas não só isso: antropologia, religião, sociologia, ciências em geral, etc.). Você, se gosta de ler não-ficção, já deve provavelmente ter no mínimo ouvido falar de Sapiens, porém e justamente por isso não busco dar como indicação principal aqui essa que já é tão “batida”. O que bem menos pessoas sabem hoje é que livros populares que abordam sobre a espécie humana e sua trajetória já vem de muito mais tempo. E hoje é de um deles que vou tratar e indicar.


Na contracapa de Sapiens a primeira frase sobre a obra é de Jared Diamond e diz: “Ilumina as grandes questões da história e do mundo moderno.”. Jared Diamond também está nos agradecimentos que Y. N. Harari escreve em seu livro. Não é à toa, pois Diamond foi uma das principais referências de Harari para seu livro.

Jared Diamond é professor de Geografia na Universidade da Califórnia, ele iniciou sua carreira na fisiologia e continuou pela biologia evolutiva e biogeografia. É um grande intelectual também em temas de história, antropologia, dentre outros. Seu currículo é vasto e não cabe trazê-lo todo aqui. Também um grande escritor, com o seu livro “Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas”, publicado originalmente em 1997, e ganhador do renomado Prêmio Pulitzer de 1998, Diamond foi um dos primeiros autores a demonstrar tão claramente como a biologia e a história podem se enriquecer mutuamente ao elucidar temáticas importantíssimas para ambas quanto abordadas assim, em conjunto.


Jared Diamond - Foto: Antonio Olmos

Armas, germes e aço não traz em 100% os mesmos assuntos de Sapiens, longe disso (todavia há vários assuntos em comum). O fato é que a temática mais ampla que envolve os dois livros é quase toda a mesma (a história da humanidade nas perspectivas que discorri nos primeiros parágrafos deste texto). A leitura de um não dispensa em nada a do outro, ao contrário, só acrescenta. O livro de Jared Diamond tem o destaque, sobretudo, de ter sido lançado muito antes de Sapiens e de ser tão bom quanto, por isso me refiro a Armas, Germes e Aço como uma “espécie” de livro Sapiens “raiz”. Em outras palavras, uma obra precursora que notadamente em muito inspirou Harari na escrita de Sapiens.

Vamos ao livro em si. Uma das principais questões a que Armas, germes e aço responde (brilhantemente) é: por que os povos eurasianos foram os que conquistaram, dizimaram e desalojaram os povos das Américas, da África e Oceania e não, por exemplo, o contrário? Diamond traz luz a essa questão revelando que a dominação de uma população sobre a outra tem fundamentos militares (armas), nas doenças (germes) e tecnológicos (aço). Com o uso de seu intelecto, valendo-se de diversas áreas da ciência como arqueologia, biologia, botânica, zoologia e epidemiologia (além das já mencionadas), o autor nos mostra que o que resulta em como as sociedades humanas se configuram é um processo histórico, e não particularidades referentes a aptidões e inteligência. A conclusão é de que os destinos dos diferentes povos do mundo tomaram rumos distintos em decorrência das diferenças de ambiente e não das diferenças biológicas. Isso por si só é revelador e muito pertinente, pois desafia o conhecimento convencional que se tinha até então, além do mais importante: derruba teorias racistas sobre as dominações de determinadas populações do globo sobre as demais ao longo da história. Abordando as origens dos impérios, das armas, da religião, da escrita, das colheitas e da domestificação dos animais e das plantas, Armas, germes e aço fornece as bases das diferentes evoluções das sociedades humanas nos continentes.

A “anatomia” de Armas, germes e aço

O livro é dividido em quatro partes. A parte 1 traz entre os assuntos principais: temas relacionados a pré-história de início e, mais ao final dela, há uma das passagens mais interessantes do livro: a que narra o encontro nas Américas entre o imperador inca Ataualpa e o conquistador espanhol Francisco Pizarro. A parte 2 trata principalmente do surgimento e expansão da produção de alimentos e da domestificação dos animais e plantas. É muito interessante notar as inúmeras condições que exigiam para uma planta e sobretudo para animais (principalmente os mamíferos) poderem ser domesticados e ter seu uso na agricultura. Entender, por exemplo, como com tantos mamíferos candidatos a domestificação na África subsaariana, nenhum se tornou apto para tal é revelador. Isso pode parecer só mais um fato no decorrer da história das sociedades humanas, mas o livro explica como a domestificação de espécies de plantas e animais foi crucial para o desenvolvimento das populações ao redor do globo. A parte 3 vem trazer informações sobre a evolução dos germes (doenças), da escrita, da tecnologia, do governo e da religião. E a parte 4 de Armas, germes e aço traz, em cinco capítulos, uma “volta ao mundo”, cada capítulo em uma parte (ou partes) diferente do globo, abordando temas que fecham e agregam no raciocínio e na conclusão da obra. Há também 32 imagens no meio do livro com fotografias de pessoas de diferentes etnias do mundo todo, que somam e ilustram nos textos em que elas são mencionadas. E há ainda um prólogo no começo do livro e, no final um epílogo e posfácio (o posfácio apenas na edição comemorativa de 20 anos da obra, que é esta que você viu nas imagens deste post).

Se você leu até aqui, provavelmente foi pelo motivo de ter se interessado pelo livro. O intuito fora justamente este, fazer a indicação de Armas, germes e aço principalmente para as pessoas que já conheciam e/ou tinham lido Sapiens e mesmo para aquelas que não, mas também gostam de estudar a história da humanidade de uma forma mais multidisciplinar. Armas, germes e aço é um livro grande, possui 475 páginas, não é um livro que se leia num fôlego só pela maioria das pessoas, não por ser desinteressante, ele não o é, pelo contrário, mas sim por tratar de um tema amplo e complexo. A leitura pode ser densa em algumas partes (as partes 2 e 3 sobretudo eu considerei um pouco mais “desafiadoras” que a 1 e a 4), porém mesmo assim é uma obra acessível mesmo aos leitores leigos. O que não exclui o fato de que ter o hábito de leitura, uma certa bagagem e, principalmente, uma boa dose de interesse no assunto do livro facilitam muito para quem quer o ler. Mas nada disso deve intimidar. Sobretudo se você sente que entende pouco dos temas abordados no livro, pois esta obra de Jared Diamond figura como um excelente início para adentrar neles. Afinal de contas, um livro que nos ajuda a entender melhor como espécie é absolutamente válido a qualquer um que busque isto, independentemente do nível de conhecimento.

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